A anulação das condenações contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva mobilizou parlamentares e partidos defensores da Lava Jato no Congresso. Eles tentam articular projetos anticorrupção e lançar ofensivas contra o Supremo Tribunal Federal.
A avaliação é a de que a repercussão negativa da decisão do ministro Edson Fachin (STF) perante parcela da sociedade trará de volta à tona discussões que haviam sido postas em segundo plano, como as PECs (Propostas de Emenda à Constituição) da prisão após condenação em segunda instância e do fim do foro privilegiado.
Uma das manifestações organizadas desse sentimento pró-Lava Jato é o Movimento Muda Senado, que ganhou destaque no início da legislatura, em 2019.
Ele perdeu espaço no ano passado, com os pedidos de impeachment de ministros do STF sendo arquivados em bloco e sem a perspectiva da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Lava Toga.
“Eu vi que é quase impossível qualquer movimento de impeachment de ministros [do STF]. Então o caminho era um projeto de lei. Pedi para a minha assessoria e para a assessoria legislativa do Senado para trabalharmos em um projeto que mude a forma de atuação do Supremo, isso para evitar impeachment e CPI”, afirma o senador Marcos do Val (Podemos-ES).
Dois dias após a revogação da condenação de Lula, o senador apresentou um projeto de lei para mudar as regras referentes a decisões monocráticas dos ministros, como a de Fachin.
O projeto de lei prevê que decisões desse tipo que reconheça ou anule atos penais só terão eficácia após a ratificação por órgão colegiado.
Do Val ressalta que sua proposta não configura uma tentativa de pressionar ou interferir no Supremo, além de não ser resultado de um “revanchismo” partidário.
“Os senadores não estão satisfeitos com essas decisões e o brasileiro também não. Não estamos interferindo no STF, estamos apenas legislando. Essa é a nossa função”, afirmou.
“E também não é questão partidária, porque o Lula é de esquerda, nada a ver com políticas partidárias. O fato é que uma decisão monocrática traz instabilidade jurídica, que resulta na falta de investimentos, em desemprego e lá na ponta vai ter um cidadão brasileiro passando necessidades”, disse.
Um dos líderes do Muda Senado, Álvaro Dias (Podemos-PR) acredita que a decisão de Fachin tenha sido estratégica no sentido de salvar a Lava Jato e não de inocentar Lula, que poderá continuar sendo julgado, agora no Distrito Federal.
No entanto afirma que o momento pode sugerir uma nova janela para a discussão de mudanças, após um período de retrocessos.
“O que estamos verificando é uma forte reação dos cúmplices da impunidade, que ganharam entusiasmo a partir de 2019 e colocaram barreiras [para mudanças]”, afirma o senador, que elenca como retrocesso a lei de abuso de autoridade e a desidratação das 10 medidas anticorrupção.
Dias cita que a principal pressão deve ser em torno do foro privilegiado, que acrescenta ser um “manto protetor de mais de mil autoridades” e que cria uma cumplicidade entre o Supremo e os parlamentares.
“Só senadores podem julgar os ministros do Supremo, assim como só os ministros do Supremo julgam parlamentares”, completa.
Na Câmara, lava-jatistas saíram em defesa da operação e se organizam para retomar discussões paradas, como a PEC da Segunda Instância. O texto tem como propósito antecipar o trânsito em julgado —ou seja, quando se esgotam as possibilidades de recurso.
A Constituição estipula que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
No final de 2019, o STF confirmou que um condenado só começa a cumprir pena após o trânsito em julgado do processo —antes, era permitida a prisão de quem já tinha sofrido condenação em segunda instância, caso de Lula, por exemplo.
O ex-presidente foi beneficiado pela decisão do Supremo e solto em novembro de 2019, após 580 dias preso na sede da Polícia Federal em Curitiba. O petista cumpria pena pelo caso do tríplex de Guarujá (SP).
Na época, a mobilização provocada pela soltura de Lula intensificou o debate sobre a PEC de Segunda Instância.
Uma comissão especial da Câmara foi instalada em dezembro de 2019 para debater o mérito da proposta, mas os trabalhos do colegiado foram interrompidos por causa da pandemia do coronavírus e aguardam a autorização do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para serem retomados.
“Eu acho que a indignação gerada pelo fim da Lava Jato, como está sendo feita pelo STF, pode trazer de volta a mobilização para pressionar o Congresso a aprovar medidas anticorrupção —como a PEC da Segunda Instância. Que, aliás, só foi aprovada na CCJ [Comissão de Constituição e Justiça] graças à pressão popular”, afirma o líder do Cidadania na Câmara, deputado Alex Manente (SP), autor da proposta.
Para ele, aprovar a PEC da Segunda Instância ajudaria a reduzir a sensação de impunidade no país. “Só aqueles que têm acesso a recursos econômicos conseguem chegar até as últimas instâncias postergando as suas condenações”, disse.
“Se tivéssemos a já PEC aprovada, não estaríamos vendo a anulação das condenações do ex-presidente Lula.”
O deputado Igor Timo (MG), líder do Podemos na Câmara, também sai em defesa da Lava Jato. “O legado da maior operação de combate à corrupção do país precisa ser preservado e ampliado, e os recentes ataques à agenda anticorrupção evidenciam que a legislação brasileira precisa ser atualizada e aperfeiçoada”, disse.
Ele defende projetos de congressistas do partido que propõem o endurecimento do combate à corrupção no país, entre eles uma proposta que torna imprescritíveis os crimes contra o erário e outra que transforma a corrupção em crime hediondo.
“Com esses dois projetos, mais fim do foro [privilegiado] e a Segunda Instância você bloqueia basicamente as principais brechas usadas pelos corruptos para permanecerem em liberdade”, disse.
“Você retira a blindagem de autoridades com o fim do foro, combate a protelação judicial com a segunda instância e o fim da prescrição, e, com a corrupção sendo crime hediondo no Brasil, você obriga o cumprimento da prisão em regime fechado e sem direito à fiança. Os corruptos não terão para onde correr.”
A PEC do Foro Privilegiado também é citada por Vinicius Poit (SP), líder do Novo na Câmara, como crucial para manter a espinha dorsal da Lava Jato. “O ideal é que o deputado e o senador estejam sob o mesmo regime jurídico de todos os cidadãos, porque é isso que eles são: cidadãos que representam cidadãos”.
O deputado defende ainda o projeto que reforma o Código de Processo Penal. Na avaliação dele, as mudanças podem ajudar a “racionalizar a estrutura recursal do processo e ajudar a evitar a repetição protelatória de questões já decididas.”
PEC da Segunda Instância
Transforma os atuais recursos extraordinário (STF) e especial (STJ) em ações revisionais extraordinária e especial –ou seja, antecipa o trânsito em julgado, ao eliminar as possibilidades desses recursos
Abrange todos os ramos do direito, não só o penal
Seria aplicada a novos processos, e não àqueles em curso
Status: comissão especial precisa votar o parecer do relator, Fábio Trad (PSD-MS)
PEC Foro Privilegiado
Veda a instituição de foro especial por prerrogativa de função nos casos de crimes comuns a ministros, congressistas e governadores, entre outros
Para infrações penais comuns, o foro especial seria mantido para o presidente, o vice-presidente, os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado e para o presidente do STF
Status: Remetida do Senado à Câmara em 2017; deputados, agora, tentam incluir a PEC na pauta
Projeto de lei 4459/20
Inclui no rol de crimes hediondos no Brasil o peculato, emprego irregular de verbas ou rendas públicas, corrupção passiva e ativa e tráfico de influência
Status: anexado a outro projeto que pode ser apreciado pelo plenário da Câmara dos Deputados.
Projeto de lei 816/2021
Prevê que decisão monocrática de ministro do STF ou STJ que reconheça ou decrete nulidade de ato praticado em processo penal somente terá eficácia após sua ratificação por órgão colegiado.
Status: proposta recém apresentada e seus autores buscam articulação para votação direto no plenário do Senado, uma vez que as comissões deixaram novamente de funcionar por causa da pandemia. (com Política Livre)