Perto de implementar fábrica para a produção de automóveis, caminhões e ônibus elétricos na Bahia, a BYD entrou na mira do Tribunal de Contas do Estado (TCE). O órgão apontou 14 irregularidades no contrato de concessão da Parceria Público Privada firmada entre o governo estadual e o consórcio controlado pela empresa chinesa para a construção do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) de Salvador.
A informação foi apurada pela coluna Satélite, do Correio da Bahia, e confirmada pelo UOL Carros, que teve acesso ao relatório sobre o contrato de concessão da Parceria Público Privada firmado entre o governo baiano, então comandado por Rui Costa (PT), e o consórcio Motogreen Skyrail, controlado pela BYD. Trata-se de uma operação que, inicialmente, custaria R$ 1,5 bilhão aos cofres públicos, mas já foi reajustada em quase 250%, passando para R$ 5,2 bilhões.
Os achados da auditoria foram citados no relatório do conselheiro Pedro Henrique Lino de Souza, que se posicionou pela nulidade da licitação. De acordo com o TCE, a votação sobre o caso foi adiada porque dois conselheiros do órgão pediram vista, mas o julgamento deve continuar em duas semanas. No entanto, a secretária estadual de Desenvolvimento Urbano, Jusmari Oliveira, afirmou na última segunda-feira (24) que o governo deve decidir se o contrato será rompido ou não ainda nesta semana.
As irregularidades citadas pelo relator teriam começado em 2017, ano em que o consórcio da BYD venceu a licitação lançada pelo governo estadual. A primeira polêmica foi a respeito da mudança de modal, de VLT para monotrilho. O TCE trata o assunto como “imprecisão do objeto licitado”, ou seja, ao decidir por outro modelo de transporte, a Skyrail não seguiu à risca o primeiro edital, que foi alterado para contemplar sua escolha.
O relator também aponta que a Assembleia Legislativa da Bahia não autorizou a concessão patrocinada, que ocorre quando, além dos usuários, o governo paga parte da tarifa. A modalidade precisa ser aprovada em plenário pelo Legislativo.
Outras irregularidades apontadas seriam ausência de consulta e audiência públicas sobre a mudança do modal; ausência de licença ou de diretriz para o licenciamento ambiental; a previsão de novas concessões sem procedimento licitatório, a adoção de preço superior à mediana dos preços das amostras sem justificativa adequada e a ausência de estudo específico para definição do valor do investimento no VLT.
Durante a audiência do TCE, o procurador do estado Ubenilson Santos também se pronunciou sobre o tema. Para ele, o processo caminha para um distrato entre o consórcio e o governo baiano. A questão é que já foram investidos mais de R$ 50 milhões na obra que não saiu do papel.
A reportagem procurou a Motogreen Skyrail, mas o consórcio optou por não se posicionar sobre o tema. O governo da Bahia, agora comandado por Jerônimo Rodrigues (PT), também foi procurado, mas ainda não respondeu à coluna.
Já a Procuradoria Geral do Estado (PGE) da Bahia afirma que “o contrato foi regularmente assinado e amparado em decisão judicial. O atual cenário, e de pós pandemia, levou a que, desde outubro de 2022, fossem intensificadas as tratativas para a solução quanto ao VLT com a empresa, de forma colaborativa. O processo administrativo que trata do caso já está na PGE, em fase de finalização de parecer jurídico para apresentação das medidas de solução possíveis, que passam pela imediata execução do contrato ou, até mesmo distrato, rescisão bilateral”.
Desde 2017, a instalação do VLT em Salvador levantou diversas polêmicas que não estão restritas a questões contratuais. O monotrilho vai ligar o Subúrbio Ferroviário à região do antigo centro da capital baiana, trajeto que, até 2021, era feito por trens que transportavam cerca de 6 mil pessoas por dia.
A população foi contra a desativação das linhas para a construção do novo modal porque, durante a obra, precisariam recorrer aos ônibus, mais lotados e caros. Para se ter uma ideia, enquanto a passagem de trem saía por R$ 0,50, a de ônibus custa R$ 4,90.
Um relatório de análise do governo da Bahia, com data de janeiro de 2020, já apontava desequilíbrio financeiro no negócio, que passou de R$ 1,5 bilhão para R$ 5,2 bilhões.
De acordo com o relatório, impactaram no orçamento alterações nos marcos operacionais, no fluxo de aporte público e na programação de pagamentos das contraprestações públicas anuais, além de atrasos nos processos de licenciamento do projeto e necessidade de licenciamentos não previstos. O texto também citou as alterações no traçado original e que houve ampliação do escopo de trabalho depois que a BYD assumiu a Fase 2 do projeto.

Imbróglio pode atrapalhar implantação da fábrica?
Na Bahia, um dos maiores temores, caso a parceria entre o governo e o consórcio da BYD seja desfeita, é de que o “clima ruim” possa impactar a implantação da fábrica em Camaçari.
A coluna entrou em contato com a divisão de automóveis da empresa para entender o cenário. A BYD afirmou que “os entendimentos entre o governo do estado e a Skyrail Bahia para a construção do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), que vai substituir os antigos trens do Subúrbio Ferroviário de Salvador, seguem em andamento, em conformidade com as normas do contrato de Parceria Público-Privada (PPP)”.
A montadora disse ainda que a BYD possui unidades distintas de negócios no Brasil e que a questão do VLT na Bahia em nada atrapalha os planos para a construção do Complexo de Camaçari.
“A maior fabricante de carros elétricos do mundo reafirma o compromisso de investir R$ 3 bilhões para instalar três fábricas na Bahia. Uma unidade dedicada à produção de caminhões elétricos e chassis para ônibus, com possibilidade de abastecer o mercado das regiões Norte e Nordeste do Brasil. A outra fábrica será dedicada à produção de automóveis híbridos e elétricos, com capacidade estimada em 150 mil unidades ao ano”, afirmou.