“O citrato é passado/ na farmácia, formou fila/ Todo mundo quer comprar o tal do Tadalafila/ Três dias no organismo e o garoto lá em cima/ Tadalafila, tadalafila”. Se essa música não é familiar, talvez você tenha ficado de fora de um viral que só cresce nas redes sociais, especialmente entre homens jovens.
Criada pelo locutor e animador Valmar Mix, 41 anos, a canção tem ritmo de pagode e costuma ser entoada nas portas de farmácias de Salvador e outras cidades da Bahia. Os vídeos em que aparece cantando – muitas vezes, segurando uma enorme caixa de remédio – costumam atingir milhares e até milhões de visualizações. De repente, a tadalafila – a substância de um medicamento indicado para disfunção erétil – ficou pop.
“Eu já tinha músicas de outros remédios, porque tenho que falar um pouco de cada um dos medicamentos. Com o tempo, a gente vai aprendendo para que serve cada um. Por exemplo: ‘Se tá sentindo dor, venha comprar seu Anador. Se a febre está pior, venha comprar Tylenol. Se tá com gases, simeticona. Remédio barato, toma’. Mas a Tadalafila viralizou pela resenha dos amigos”, explica Valmar, que passou a ser conhecido como o ‘Rei da Tadalafila’.
Mas não é só ele. No Instagram e no TikTok, há vídeos, hashtags e até nomes de usuários que se identificam como a ‘tropa do tadala’. Nos últimos três anos, a tadalafila se tornou um sucesso digital – chegou, inclusive, a ser o terceiro remédio mais vendido do Brasil pela internet, no ano passado, segundo a plataforma Consulta Remédios.
Apesar de a tadalafila não ter aparecido entre os 20 mais vendidos do país no Anuário Estatístico do Mercado Farmacêutico, publicado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em agosto, os índices entre farmácias impressionam. No anuário, porém, o maior concorrente da tadalafila, o citrato de sildenafila ou simplesmente sildenafila (o genérico do Viagra) ficou na 17ª posição.
Em dois anos, algumas redes de farmácia da Bahia chegaram a registrar um aumento de mais de 1000% na demanda de tadalafila, segundo o Sindicato dos Farmacêuticos da Bahia (Sindifarma). “É um número realmente bastante alto e que cresceu muito por essas questões do uso recreativo e off label (que não segue a bula). As pessoas, sobretudo jovens, usam para melhorar a performance, o que é perigoso porque pode desenvolver dependência”, explica o diretor do Sindifarma e secretário de imprensa da entidade, Gibran Sousa.
A percepção do médico urologista Bruno Sarmento também é de que, ao longo dos anos, o uso da medicação foi sendo ampliado e desvirtuado, até chegar ao estágio em que está hoje. “É um remédio seguro, que funciona bem. Ele ajudou muitos homens e continua ajudando homens a melhorar a função sexual”, explica.
Só que, à medida que foi ficando mais conhecido, mais pessoas se interessaram. “Como ele não é de receita controlada, ou seja, qualquer pessoa pode chegar e pedir no balcão, muita gente que não tinha problema de ereção começou a querer usar”, diz ele, que é urologista do Cicam e professor de Medicina na Faculdade Zarns.
Nas farmácias
Valmar Mix, locutor que é o Rei da Tadalafila, lembra bem de quando ouviu falar da substância pela primeira vez. Há pouco mais de três anos, ele estava fazendo locução na frente de uma farmácia, convidando as pessoas a entrar e cantando a música do citrato de sildenafila, quando um cliente se virou para ele. “Agora não é mais citrato, é Tadalafila”, disse o homem, brincando.
Naquela ocasião, Valmar ainda não conhecia o medicamento. Até aquela época, a Tadalafila nunca teve a mesma popularidade da sildenafila, ainda que a história dos dois esteja ligada. Isso porque, quando os cientistas da Pfizer descobriram que a sildenafila, que estava sendo estudada para hipertensão e angina, podia induzir ereções penianas, o Viagra foi lançado e se tornou um enorme sucesso. A aprovação da sildenafila pela FDA, a agência sanitária dos Estados Unidos, foi um divisor de águas no tratamento da disfunção erétil.
Na mesma época, pesquisadores da Glaxo estavam analisando novas drogas e descobriram que uma substância que vinha sendo estudada tinha a capacidade de bloquear a enzima que inibe as reações químicas que levam à ereção. Assim, a Tadalafila foi aprovada nos Estados Unidos em 2003 e passou a ser comercializada com o nome de Cialis.
Ao contrário do Viagra, que teve a patente quebrada em 2010 no Brasil, o Cialis só passou pelo mesmo processo em 2015. Por isso, até então, era um medicamento mais caro. Agora, é possível comprar genéricos na menor dosagem por pouco mais de R$3. Assim, até mesmo a queda do preço do remédio ajudou a ficar mais popular.
Segundo o locutor Valmir Mix, ao todo, os vídeos da Tadalafila chegam a mais de 23 milhões de visualizações. É comum que ele receba pedidos para gravar vídeos com o nome de amigos e que seja convidado para trabalhos relacionados que nem mesmo são com farmácia, mas que os clientes pedem que leve a caixa grande de Tadalafila.
“São duas vertentes. Vejo muita gente falando que usa justamente para dar esse ‘up’, essa aditivada. Mas tem o lado da resenha, que é a questão da impotência sexual entre os amigos. Um fica acusando o outro e é uma brincadeira, de certa forma, sadia”, afirma Valmar.
Com o tempo, ele passou a distribuir balinhas com embalagens da Tadalafila – é a ‘bala do Tadala. “São balas normais, mimos dos laboratórios para os clientes. Numa ação, eu vi a balinha e tive a ideia de gravar o vídeo e viralizou”, conta. Ainda que continue com ações para outros empreendimentos, atualmente, farmácias ainda representam entre 60 e 70% dos contratantes de Valmar. Em alguns conteúdos, ele também faz questão de falar sobre o uso de maneira indevida.
Tem pessoas ingerindo até com bebida alcoólica e com substâncias psicoativas. No final da música, coloquei uma mensagem de que o Ministério da Saúde adverte para não tomar o medicamento sem consultar o médico. Também sempre falo pessoalmente para ter o cuidado para não bater o motor, porque esse é um medicamento como outro qualquer”, pondera.
Indicações
A tadalafila é, portanto, uma substância inibidora da enzima fosfodiesterase tipo 5. Em nota enviada ao CORREIO, a Associação Nacional de Farmacêuticos Magistrais (Anfarmag) explicou que, além da disfunção erétil, o fármaco é indicado no tratamento de sintomas de próstata aumentada (hiperplasia prostática benigna). “De forma geral, a atuação se dá no aumento do fluxo sanguíneo no pênis e no relaxamento da musculatura da próstata e bexiga”, explica a assessoria técnica da entidade, que representa o setor de farmácias de manipulação.
A dose habitual seria de 10mg por dia, mas pode ser aumentada até 20mg. É possível, ainda, reduzir a 5mg ou a 2,5 mg. No caso das farmácias de manipulação, a substância só pode ser vendida se a pessoa apresentar a prescrição médica, que deve ser avaliada por um farmacêutico na sequência.
“É importante ressaltar inicialmente que a tadalafila não é indicada para mulheres e deve ser utilizada com cuidado em pacientes com problemas cardíacos, renais e hepáticos. Como possível efeito colateral, podem ocorrer reações comuns como dores de cabeça e musculares, indigestão e rubor. Nos casos mais graves, infarto, AVC (acidente vascular cerebral) e até morte”, acrescenta a associação.
No uso off label, porém, não é incomum que a tadalafila seja associada a ambientes de bares, boates e viagens, de acordo com Gibran Souza, do Sindifarma. As brincadeiras sobre a performance masculina – inclusive de que não precisaria de um período de repouso após uma relação sexual – viriam desse aspecto. “Esses medicamentos estão ao alcance de praticamente todos e é muito plausível e justificável esse tipo de fama desse tipo de medicação. Não só da Tadalafila, mas do citrato”, diz.