São Francisco do Conde atravessou uma daquelas semanas que entram para a história, não pela superação, mas pela revelação crua de um abismo moral que separa quem governa de quem sofre. Enquanto famílias amargam a fome com o Pão na Mesa suspenso, servidores contam moedas por salários atrasados e estudantes perdem o direito básico ao transporte, a cidade foi sacudida por imagens e relatos que chocaram até os mais calejados: fazendas de cavalos milionários, animais de raça tratados com luxo extremo, baias climatizadas, frutas selecionadas, um cenário de abundância incompatível com a realidade de um município empurrado para a miséria.
A frase que ecoou nas ruas resume a humilhação coletiva: “enquanto o povo passa fome, cavalos comem maçã e pera no ar-condicionado”. O contraste não parou aí. Veio à tona um mosaico de suposto enriquecimento acelerado envolvendo familiares do prefeito, com negócios que se multiplicam em fast food, propriedades rurais, salões de beleza e aquisições feitas em dinheiro vivo, tudo isso em paralelo a um orçamento enviado à Câmara que reduz benefícios sociais, encolhe políticas públicas e transfere o peso da crise para quem menos pode. Para os pobres. Não se trata de suposições: há registros, imagens aéreas drone, documentos, notas fiscais e depoimentos que, juntos, desmontam o cinismo de um discurso de Calmon que insiste em pedir paciência a quem já perdeu tudo. A operação está recebendo cópia de tudo.
Nos bastidores, vereadores que também estão envolvidos e investigados ficaram atônitos. A cada nova revelação, o silêncio cúmplice ficou mais difícil de sustentar. O sentimento é de que a cidade foi enganada, e de que o custo político de fingir normalidade tornou-se insuportável. Do outro lado, relatos indicam um governo acuado, desconfiado, reagindo com surpresa à avalanche de informações que emergem em sequência. A família do prefeito que tenta bloquear redes socais perde tempo. Carlos André que bloqueou o Instagram da Fazenda Santo André não sabe, que escutas, imagens de drones, viagens para Minas Gerais e movimentações de um suposto “Ueldo” já estão registrados. Polyana Calmon, que arquiva postagens no Instagram nao sabe que todo print, é eterno. Os salões e a barbearia é coisa de “portuga” desconfiar. Enquanto ela disputava agenda com Ivete Sangalo para fazer cabelo, o povo de São Francisco morria de fome. Quando o poder começa a desconfiar de todos, é porque o castelo já apresenta rachaduras.
As apurações avançam e fim não se aproxima, apenas se concretizam. Fala-se em cruzamentos de dados, quebras de sigilo, pagamentos por serviços não realizados, saques vultosos e compras patrimoniais que não se explicam por rendas conhecidas. Conversas e transações já estão sob análise, compondo um quebra-cabeça que aponta para uma engrenagem maior do que se imaginava e que ser noticia nacional. Não é mais o clamor de uma cidade cansada; é o método da investigação chegando ao ponto de ebulição.
Por isso, a semana que começa não será agonizante para o povo, esse já sofreu o ano inteiro. Será angustiante para quem acreditou estar acima da lei e da justiça. As revelações prometidas têm peso suficiente para chamar a atenção das autoridades federais, pelo tamanho e pela complexidade do que se desenha quando interesses públicos e privados se misturam sem pudor. Não é hipérbole dizer que o impacto político será devastador: quando a verdade se organiza, ela cai como uma bomba moral sobre quem viveu do privilégio e da impunidade.
São Francisco do Conde encara, enfim, o seu espelho. E o reflexo que surge não é apenas o da desigualdade; é o da responsabilidade. A cidade não pede vingança, pede justiça. E justiça, quando chega, não escolhe lado: alcança quem se achava intocável.











