A Receita Federal e órgãos parceiros deflagraram, nesta quinta-feira (28), a “Operação Carbono Oculto”. Trata-se da maior operação contra o crime organizado da história do país em termos de cooperação institucional e amplitude. O objetivo da ação é desmantelar esquema de fraudes e de lavagem de dinheiro no setor de combustíveis.
A operação é fruto de uma ampla investigação realizada por auditores-fiscais da Receita Federal que identificaram irregularidades em mais de 1.000 postos de combustíveis distribuídos na Bahia e em outros nove estados do Brasil (SP, GO, PR, RS, MG, MA, PI, RJ e TO). A ação mira principalmente os elos da cadeia de combustíveis controlados pelo crime organizado, desde a importação, produção, distribuição e comercialização ao consumidor final até os elos finais de ocultação e blindagem do patrimônio, via fintechs e fundos de investimentos.
A investigação detalha ainda que o dinheiro de origem ilícita gerado pelo esquema era reinvestido em negócios, propriedades e outros investimentos através de fundos de investimentos que recebiam recursos da fintech, dificultando sua rastreabilidade e dando a ele uma aparência de legalidade.
Ao todo, a Receita Federal afirma já ter identificado cerca de 40 fundos de investimentos (multimercado e imobiliários), com patrimônio de R$ 30 bilhões, controlados pela organização criminosa. Em sua maioria, são fundos fechados com um único cotista, geralmente outro fundo de investimento, criando camadas de ocultação.
Entre os bens adquiridos por esses fundos estão um terminal portuário, quatro usinas produtoras de álcool (mais duas usinas em parceria ou em processo de aquisição), 1.600 caminhões para transporte de combustíveis e mais de 100 imóveis, dentre os quais seis fazendas no interior do estado de São Paulo, avaliadas em R$ 31 milhões, e uma residência em Trancoso, no sul da Bahia, adquirida por R$ 13 milhões.
Os indícios apontam que esses fundos são utilizados como um mercado de ocultação e blindagem patrimonial e sugerem que as administradoras dos fundos estavam cientes e contribuíram para o esquema, inclusive não cumprindo obrigações com a Receita Federal, de forma que sua movimentação e a de seus cotistas fossem ocultadas da fiscalização.
Estão sendo cumpridos mandados de busca e apreensão em cerca de 350 alvos – pessoas físicas e jurídicas – localizados em oito estados: São Paulo, Espírito Santo, Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Rio de Janeiro e Santa Catarina. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) também ingressou com ações judiciais cíveis de bloqueio de mais de R$ 1 bilhão em bens dos envolvidos, incluindo imóveis e veículos, para a garantia do crédito tributário.
Participam da operação cerca de 350 servidores da Receita Federal, além de servidores do Ministério Público de São Paulo (MPSP), por intermédio do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco); Ministério Público Federal, por meio do Gaeco; Polícia Federal; Polícias Civil e Militar; Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (Sefaz/SP); Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP); e Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo (PGE/SP).
Como funcionava o esquema?
As investigações apontam que o sofisticado esquema engendrado pela organização criminosa, ao mesmo tempo que lavava o dinheiro proveniente do crime, obtinha elevados lucros na cadeia produtiva de combustíveis. O uso de centenas de empresas operacionais na fraude permitia dissimular os recursos de origem criminosa. A sonegação fiscal e a adulteração de produtos aumentavam os lucros e prejudicavam os consumidores e a sociedade.
Operações financeiras realizadas por meio de instituições de pagamento (fintechs), em vez de bancos tradicionais, dificultavam o rastreamento dos valores transacionados. Por fim, o lucro auferido e os recursos lavados do crime eram blindados em fundos de investimentos com diversas camadas de ocultação de forma a tentar impedir a identificação dos reais beneficiários.
Fraudes: Importadoras atuavam como interpostas pessoas, adquirindo no exterior nafta, hidrocarbonetos e diesel com recursos de formuladoras e distribuidoras vinculadas à organização criminosa. Somente entre 2020 e 2024, foram importados mais de R$ 10 bilhões em combustíveis pelos investigados.
Por sua vez, formuladoras e distribuidoras, além de postos de combustíveis também vinculados à organização, sonegavam reiteradamente tributos em suas operações de venda. A Receita Federal já constituiu créditos tributários federais de um total de mais de R$ 8,67 bilhões em pessoas e empresas integrantes do esquema.
Outra fraude detectada envolvia a adulteração de combustíveis. O metanol, importado supostamente para outros fins, era desviado para uso na fabricação de gasolina adulterada, com sérios prejuízos para os consumidores.