A Câmara de São Francisco do Conde vive, nesta quarta-feira (23), uma das sessões mais tensas da sua história recente. O plenário, tomado por protestos, foi palco do uso de spray de pimenta pela Polícia Militar e de um cidadão que se acorrentou em ato de desespero, enquanto vereadores discutem o Projeto de Lei nº 015/2025, de autoria do prefeito Antônio Calmon, que muda radicalmente o programa social “Pão na Mesa”.
O texto apresentado pelo Executivo retira do benefício todas as famílias que recebem o Bolsa Família, reduz o valor para R$ 150 e permite ao prefeito limitar o número de beneficiários por decreto, vinculando o programa à “disponibilidade financeira do município”. Na prática, o projeto entrega ao prefeito o poder de decidir quem come e quem passa fome em São Francisco do Conde.
O projeto foi enviado sem estudo de impacto financeiro, sem previsão na LDO e sem constar na LOAS, o que configura vício formal grave e descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal. Mesmo diante das irregularidades, a sessão continua em andamento, em meio a gritos, protestos e confusão.
Durante os debates, o vereador Rafael Nogueira pediu a suspensão imediata da sessão, apresentou uma emenda modificativa para proibir o prefeito de limitar o número de beneficiários por decreto e protocolou requerimento administrativo apontando vício de convocação, já que a sessão extraordinária não atende às exigências da Lei Orgânica.
Em discurso contundente, Rafael denunciou o conteúdo e a pressa do governo:
“É um pacote de maldade. O quantitativo fica limitado à disponibilidade financeira do município e pode ser reduzido por decreto do prefeito. E aí o lugar de chorar vai ser no pé do caboclo. Se ele tivesse amor ao povo, teria vindo aqui falar de frente com a população.”
Apesar dos argumentos e da mobilização popular nas galerias, a maioria da Câmara rejeitou a emenda apresentada por Rafael Nogueira, permitindo que o texto original — que concede ao prefeito o poder de definir o número de beneficiários por decreto — siga em tramitação sem alterações.
A vereadora Lígia Costa Rosa também se posicionou contra o projeto e alertou para o risco de retrocessos sociais e violações legais:
“A decisão judicial que obriga o prefeito a pagar o que é devido desde novembro do ano passado em nada tem a ver com essa votação. O artigo 6º mostra que o quantitativo anual pode ser definido por decreto do prefeito. Isso é acabar com o Pão na Mesa. Se dermos um cheque em branco, seremos coautores de crime de responsabilidade fiscal. Essa lei permite até a exclusão de beneficiários por portaria.”
Em contrapartida, a vereadora Sandrinha da Pizzaria foi uma das principais defensoras da aprovação do projeto, mesmo reconhecendo as falhas do texto:
“O programa não está como eu quero, nem como os vereadores querem. Mas o programa social tem de voltar. A LOAS realmente chegou aqui de forma errada, e o valor não condiz. Eu respeito a posição de cada vereador e estou do lado do povo. Vai ser o pagamento de um ano de atraso e o pagamento do Pão na Mesa. Não adianta me justificar com vocês, mas sim colocar o dinheiro na mesa de vocês.”
A fala foi fortemente vaiada pelo público.
O vereador Pantera também se posicionou a favor do projeto e insinuou que a aprovação da lei estaria ligada ao pagamento do programa. Foi rebatido por Lígia Costa Rosa, que respondeu:
“Não precisa aprovar essa lei para pagar o que já é devido. É só mandar a folha para pagar, e a Secretaria da Fazenda paga. Se quiser, eu desenho. Não vou participar do pacote da maldade. Não estamos votando aqui se queremos que se pague ou não o que se deve — o projeto aqui hoje é para retirar benefícios do povo.”
A vereadora Daona reforçou que votar contra a mudança da lei não interfere no pagamento já determinado pela Justiça:
“Já existe uma decisão transitada em julgado que obriga o prefeito a pagar o que deve.”
O vereador Joinha declarou que sempre esteve “ao lado do povo”, mas afirmou que votaria a favor da alteração da lei:
“É necessário que se faça essa votação, e independente dela, vou continuar cuidando das pessoas.”
Enquanto o povo protestava nas galerias, o clima de tensão aumentou. Um cidadão se acorrentou nas grades, e a Polícia Militar lançou spray de pimenta para dispersar o público, gerando correria, desespero e revolta.
Mesmo sob protestos e denúncias de ilegalidade, a sessão segue — marcada por repressão, vaias e pela aprovação de um projeto que enfraquece o principal programa social do município.
O Jornal Candeias acompanha em tempo real os desdobramentos desta noite, que já é considerada um dos episódios mais vergonhosos da política franciscana.