O dia 8 de julho de 2025 continua vivo na memória de Jaimilson e Silvânia. Foi a data em que os filhos deles, Gilson Jardas de Jesus Santos, de 18, e Luan Henrique Rocha de Souza, de 20 anos, foram mortos durante uma ação policial no loteamento Canto dos Pássaros, em Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador.
Três meses depois, o caso ainda não foi concluído e o inquérito policial obtido com exclusividade pela TV Bahia coloca em questão a versão apresentada pela Polícia Militar.
Na época, a 59ª Companhia Independente da PM (CIPM/Abrantes) informou que os jovens reagiram a uma abordagem e atiraram contra os policiais, que teriam revidado. Com os dois, conforme o registro, foram apreendidas duas pistolas calibre .40, uma espingarda calibre 12 e uma réplica de pistola.
No entanto, familiares e moradores do bairro sempre contestaram essa versão. “Eles não estavam armados. Foram executados dentro de casa”, afirmou Silvânia em vídeo gravado logo após o crime, que repercutiu nas redes sociais.
Os documentos da investigação, aos quais a equipe da TV Bahia teve acesso, mostram uma série de inconsistências. O GPS da viatura indica que o carro da PM ficou parado em frente à casa de Gilson por 27 minutos, entre 13h56 e 14h23.
A perícia feita no imóvel revelou marcas de sangue sobre um sofá de dois lugares e uma perfuração de bala na parede atrás do móvel, o que sugere que os disparos aconteceram dentro da residência.
Outro trecho do laudo aponta “ausência de perfurações de arma de fogo na parte externa da casa, como paredes e portas”, o que contradiz a alegação de troca de tiros.
Além disso, o inquérito aponta que a viatura usada na operação foi periciada “não apresentou dano causado por projétil de arma de fogo”, e os exames de pólvora combusta nas mãos dos jovens não detectaram partículas de chumbo, descartando indícios de que eles tenham disparado armas.
O perito forense Eduardo Lanos, presidente da Seweell Criminalística (Secrim), empresa que atua em perícias criminais particulares, analisou os documentos e afirmou que os elementos técnicos não indicam confronto.
“Quando há troca de tiros, obrigatoriamente há vestígios nas mãos, nas roupas, nas paredes. Não há tiros nas paredes e nas portas, explicou Llanos.
Ele também destacou a posição dos ferimentos. Gilson foi atingido no peito, enquanto Luan recebeu um tiro que atravessou o braço esquerdo e atingiu o coração.
“Esse tipo de ferimento é compatível com uma postura de defesa, como se tentasse se proteger de um disparo”, afirmou o especialista.
O laudo balístico identificou que o projétil encontrado no corpo de Luan era de calibre 5.56, comum em carabinas e fuzis. Uma das armas apresentadas pelos policiais é uma carabina desse calibre, mas, segundo Eduardo, há diferenças entre as ranhuras da arma e o projétil recuperado, e isto poderia ser burlado.
A Polícia Civil informou que o inquérito foi concluído em 18 de julho, mas o Ministério Público da Bahia (MP-BA) devolveu o procedimento, pedindo a reconstituição da ação, que ainda não foi realizada pelo Departamento de Polícia Técnica (DPT).
Em nota, o MP disse que “acompanha o caso” e que “resta o cumprimento de diligências essenciais, entre elas a reprodução simulada dos fatos”.
Já a Secretaria da Segurança Pública (SSP) afirmou que todas as mortes decorrentes de intervenção policial são investigadas pela Polícia Civil e pelas corregedorias correspondentes.
A PM da Bahia informou que os policiais envolvidos foram afastados das atividades operacionais e direcionados para atendimento psicológico. O processo de apuração interna segue em andamento.
Os militares identificados como integrantes da ação são o subtenente Jomário Prata Gois Santana, chefe da guarnição, e os soldados Fábio da Silva Menezes, Reinilson da Silva Brito e Danilo Silva de Santana, do Patrulhamento Tático Operacional (Peto) da 59ª CIPM.
Enquanto aguardam a reconstituição e o desfecho da investigação, as famílias de Luan e Gilson vivem com medo, mas mantêm a esperança. Silvânia e Jaimilson se reencontraram três meses após o crime.
“Eu venho aqui em Camaçari, mas em pânico. Não consigo nem sair, nem fazer nada. O mais rápido que esse processo seja agilizado, para a minha família será motivo de consolo e proteção, porque a gente está vivendo escondido”, disse Silvânia, mãe de Gilson.
“Já que a justiça de Deus está sendo feita, que a dos homens seja feita, é o que eu espero. Não vai trazer meu filho de volta, mas vai me dar um consolo em saber que meu filho não partiu em vão”, falou o pai de Luan.













