Reconhecido por um sapato, o corpo de Lorena Fox foi encontrado sete dias após seu desaparecimento, em março deste ano, na cidade de Luís Eduardo Magalhães, no oeste da Bahia. Aos 27 anos, a mulher trans foi espancada até morte e só teve o corpo identificado após o reconhecimento de um salto alto largado junto ao cadáver. A vítima vivia em uma casa de prostituição de LEM, dividida entre oito mulheres trans e travestis na cidade, onde moram 108 mil pessoas. Em abril, dois suspeitos foram presos por envolvimento no assassinato de Lorena, um deles, inclusive, chegou a confessar ter agredido a mulher até morte e ainda ateado fogo no corpo por causa dos valores cobrados em um programa.
No Dia Nacional do Orgulho LGBTQIA+, nessa quarta-feira (28), é importante analisar o cenário de violência contra pessoas que são representadas pela sigla. De acordo com o levantamento feito pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), o estado baiano ocupa o primeiro lugar no ranking de estados brasileiros com o maior número de mortes violentas em 2022: 27 mortes, o que representa 10,54% do número nacional.
Realizado há 43 anos, o Observatório de Mortes Violentas aponta 755 mortes de pessoas LGBTQIA+ na Bahia desde 1980, quando Luiz Mott, professor aposentado do Departamento de Antropologia da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e responsável pelo levantamento, fundou o GGB. Os dados do Observatório indicam uma média de 17,5 mortes por ano, que supera números de estados três vezes mais populosos, como São Paulo, segundo no ranking nacional, com 22 mortes no ano passado.
O assassinato de Lorena é uma das 139 mortes violentas registradas contra pessoas LGBTQIA+ no Brasil, entre janeiro e junho de 2023, levantamento parcial realizado pela entidade neste ano. O CORREIO solicitou os números da Bahia, mas não recebeu respostas até a publicação desta matéria.
“Há uma variação de ano para ano inexplicável. Tem ano que o número é maior e não tem uma explicação sociológica lógica, ou seja, a variação não tem uma regularidade que se possa prever ou diagnosticar”, pontua Mott.
O levantamento também apresentou os perfis das vítimas de mortes violentas do Brasil no ano passado. Das 256, 134 eram gays, 110 travestis/transexuais, cinco bissexuais, quatro lésbicas, dois heterossexuais que foram confundidos com gays e um homem trans. O recorte de idade indica que a faixa etária predominante dos 18 aos 29 anos em 73,7% dos casos, enquanto o de cor aponta um maior número de vítimas identificadas como pardas (46,8%).
Segundo Luiz Mott, três pontos precisam ser reforçados para o combate à violência contra pessoas LGBTQIA+ no país.
“Primeiro: educação sexual nas escolas, ensinando os jovens e as crianças que ser gay não é crime, não é algo vergonhoso, não é doença, não é pecado e que tem que respeitar as travestis, os gays. Segundo: políticas públicas que garantam a cidadania LGBT. Nas delegacias que eles sejam tratados com respeito, que haja investigação dos crimes e punição severa dos criminosos. E terceiro: que a legislação já aprovada no Brasil, como a criminalização da homofobia, a sua equiparação ao racismo, que essas leis sejam aplicadas, com o mesmo rigor que se pune o racismo, um crime inafiançável.”
Insegurança
Apesar de nunca ter sofrido violência física ou verbal, a jovem aprendiz Camile Araújo, 19 anos, não se sente confortável em demonstrar afeto a namorado em público. Nascida e criada em Salvador, ela diz ter sido vítima de olhares maldosos, assédio e intimidação por parte alguns homens na capital.
“Me sinto profundamente triste e assustada. Vivo em Salvador desde que nasci, e, apesar do amor que sinto pela cidade, não me sinto segura. Evito beijos, carinhos e até mesmo segurar a mão da minha namorada, justamente por já termos sido intimidadas e assediadas”, relata.
Camile ressalta a importância da luta por direitos no Brasil, país que mais mata LGBTQIA+ no mundo, ainda segundo o GGB. “Sobretudo, vivermos no estado que mais mata em nosso país, é uma luta constante! Lutar e conscientizar as pessoas sobre os nossos direitos garante nossa sobrevivência no nosso país e no mundo”, pontua.
A inibição por medo também alcança o estudante universitário Danilo Isaac. Vítima de comentários e comportamentos homofóbicos desde a infância, o jovem de 22 anos aprendeu a lidar com situação à força, mas ainda sofre com traumas gerados dentro do ambiente escolar.
“Há um receio, porque sei a gravidade da violência nesta cidade. Sempre rola uma desconfiança, olho pros lados, me certifico que estamos seguros. Mas me recuso a me privar de demonstração pública de afeto a quem amo e escolhi estar ao lado. Nunca sofri violência física por isso, mas conheço pessoas e amigos que já. É profundamente lamentável cada vida perdida, cada sonho interrompido e cada coração dilacerado por essa intolerância insensata.”
Ao ser informado sobre os dados alarmantes do estado, Danilo lamenta a crítica situação. “A nossa Bahia é tão conhecida por sua rica diversidade cultural e pelo acolhimento de diferentes identidades, não deveria testemunhar tais atrocidades. Cada indivíduo LGBTQIA+ que tem sua vida tirada é uma perda imensa para a comunidade como um todo. São sonhos interrompidos, potenciais desperdiçados e histórias que jamais serão contadas. Acho que é um golpe doloroso em nossa busca por uma sociedade inclusiva, onde todas as pessoas possam viver sem medo de serem quem são”, diz.
As informações são do Jornal Correio